Gostar mais, conhecer melhor.

Só se gosta das coisas que se conhece. Ou mais, só se ama o que se conhece. Claro que o amor é uma palavra forte – já muito estoirada de uso excessivo – mas o ponto é que para gostar de uma realidade, temos que a conhecer.

Às vezes dá vontade de dar duas chapadas à adolescente que diz: mas eu amo-o perdidamente. Rapariga, conheceste-o ontem numa festa e estavas regada com 5 imperiais. Tu nem sabes o apelido dele. (Mas… mas…)

Não conseguimos gostar do que não conhecemos, nem de abstracções desconhecidas. Quem gosta imenso da teoria da relatividade?! (talvez um estudioso fechado numa cave universitária a estudar é bem capaz de gostar, mas porque a conhece).

Podemos achar que gostamos muito de uma banda, de um trabalho, de amigo. Mas na realidade só podemos gostar das coisas que conhecemos. Falta-nos sobriedade a falar das coisas de que gostamos. Quem começou a trabalhar há 2 dias e diz adoro estar lá a trabalhar, talvez esteja a exagerar ( Daqui a 2 meses está a chorar num ombro amigo, depois de levar com o chicote da chefe.) Ou mesmo com pessoas que dizem: ela é incrivel, gosto mesmo dela. Calma amigo, nunca a viste na realidade, e tanto quanto sabes a página de facebook dela pode ter sido feita por um indiano com óculos no outro lado do mundo.

Acontece muitas vezes gostarmos mais da ideia que temos das outras pessoas, do que das pessoas em si. Gostamos de uma versão idealizada. E conseguimos gostar muito dela, porque precisamente conhecemos muito bem a ideia de que gostamos. Não conhecemos é tão bem a pessoa,e a sua realidade. Ela é esperta e percebe: tu não gostas de mim, tu gostas da ideia que tens de mim.

A questão é que o amor envolve conhecimento, sabendo claro que há níveis de “conhecimento” diferentes. Às vezes 10 segundos com uma pessoa dão-nos uma visão muito profunda acerca dela. Sim, amor à primeira vista é possível. Às vezes um uma música que ouvimos agarra-nos pelos colarinhos, e simplesmente sabemos que gostamos daquilo.

Indo para o extremo oposto do amor, para o ódio, é normal ele vir da falta de conhecimento. É fácil odiar coisas e pessoas que conhecemos mal. É difícil odiar uma pessoa que conhecemos bem, em que compreendemos as suas motivações, limitações e dilemas. O ódio também vem da ignorância.

Como gostar mais de uma pessoa então?

Conhecendo-a melhor… aprofundando partes dela que desconheço, o seu humor, a sua resiliência, as suas vergonhas, as suas ambições. Às vezes não gostamos das pessoas porque não nos damos ao trabalho de as conhecer. A sério, toda a gente tem coisas admiráveis. Só temos que procurar o suficiente.

inesperado.org_gostar mais, conhecer melhor.

E se é verdade que só gostamos do que conhecemos, também é verdade que só conhecemos o que gostamos. Ou seja, só conseguimos conhecer a fundo uma realidade, se a olharmos com amor.

É incompreensível como aquela pessoa passa tanto tempo dedicado àquele projecto, àquela empresa. Como é que ele aguenta uma pessoa como ela?! ah ah. Estamos a olhar de fora, sem amor. O amor vê possibilidades onde os outros só vêem bloqueios.

Há partes da outra pessoa ou de outra realidade que permanecem inacessíveis, e que só com amor são reveladas. Só um olhar de amor vê as potencialidades dos outros. Sabemos bem o que é sentir que alguém gosta de nós, e como isso nos faz descobrir coisas novas. Como sermos olhados com amor leva-nos a descobrir territórios novos cá dentro, coisas que desconhecíamos. O facto de sermos amados – por muito inexplicável e confuso que seja – abre-nos ao nosso potencial.

Como conhecer melhor o meu namorado, a minha família, o meu trabalho?

Gostando mais deles. Gostar mais e mais, dedicar tempo, carinho, paciência. O facto de amarmos outras realidades, permite-nos conhecê-las muito melhor, e dar-lhes também novas possibilidades.

E terminamos com estes 2 circulos: Só se ama o que se conhece. Só se conhece o que se ama. Cada um empurra o outro para a frente. Agora é só preciso começar.

Comments

Respostas de 18 a “Gostar mais, conhecer melhor.”
  1. J Almeida

    Mt bom… Obrigado Rak… por te ter conhecido, tens me feito bem e mais feliz…Kiss for you ;)

  2. Filipa

    Um post cheio de verdades, daquelas que estão dentro de nós mas que, às vezes, escolhemos nem ligar.
    Obrigada, João!

  3. Laura

    Mt bom! Obrigada João!

  4. Anónimo

    “Como sermos olhados com amor leva-nos a descobrir territórios novos cá dentro, coisas que desconhecíamos.”. Exacto! Exacto!

  5. PAF

    Caro amigo inesperado,

    Parabens por mais um ilucitativo post. É outro tema que ajuda no desafio diario da vida. Sei que de uma forma ou de outra tocas nestes dois temas que queria partilhar, e assim aproveito este espaço:
    1. Perder o medo de conhecer o que desconhecemos, e abracar a oportunidade de sermos surpreendidos – inesperadamente.
    >> Atencao, perder o medo não é a mesma coisa que ser inconsciente, perder o medo é manter o critério e dar passos pequenos e possíveis na aproximacao da outra pessoa. E mais, as alturas em que mais e melhor me conheci foi sempre atraves de outras pessoas. E aqui tambem para quem reza, a oracao não é solitaria, mas uma conversa com Deus. Se perdemos o medo damos oportunidade para o nosso coração/cérebro andar menos distraído no medo e estar mais atento à outra pessoa. É o principio de uma ponte de confianca.

    2. Gostar mais, conhecer melhor é essencialmente descobrir como amar os defeitos, as imperfeições.
    >> “olha me este a tentar resumir um post com uma frase” … O que estou a dizer é, sim, é mais facil amar o que conhecemos, dificil odiar o que conhecemos, mas para mim um dos verdadeiros testes, é amar os defeitos, as limitacoes. Ja em posts anteriores abordaste este vasto tema, mas é tão gratificante conseguir dar este passo. Torna o amor transparente mas sólido no seu sustento e mais preparado para uma vida de longo prazo, a vida. Olhando para as relacoes, as melhores relacoes que admiro, vejo virtudes e defeitos, mas sabes qual “a cola”? A complementaridade que tantas vezes a virtude de uma pessoa acaba por tornar os defeitos da outra pessoa uma limitacao humana, e por isso amavel pelo que é. E vice-versa. Acho que é assim que Deus nos ama, nao é assim a dita misericordia? Ate ao fim da minha vida nao deixarei de ter algumas limitacoes, mas acredito que isso nao me torna menos capaz de amar ou de ser amado se me integrar de mim mesmo e dar todas as novas oportunidades para nos tornarmos semelhantes uns aos outros. Duas pessoas semelhantes sao aqueles que se conhecem, onde semelhancas se evidenciam a olho nu.

    Em suma, o primeiro tem ligacao ao segundo, porque ha sempre um feliz dia em que descobrimos como melhor amar os nossos semelhantes, humanos, qual é este momento? É quando somos surpreendidos pela negativa, mas abracamos a oportunidade de crescer em duas frentes: no perdao, (e aqui aparece o 2o ponto) e consequentemente com essa atitude amamos o defeito, ou melhor, essa limitacao que nos torna humanos – seres (capazes de) ser amados. A mim sempre me fascinou as limitacoes humanos, a chamadas a realidade que temos na vida, torna o amor real, sente-se e reconhecemos o seu valor, e podemos deixar de idealizar e perceber o quao maior e mais rico é a realidade. As vezes penso que ver o Céu será um sentimento similar, e por isso a terra tem quase tanto de Céu como o Céu tem de terra. É menos estranho do que distraidamente fazemos por ser.

    1. Caro amigo PAF,
      Em primeiro lugar, a estatueta de mais longo comentário é-te merecida. Parabéns, é uma rara honra :)
      1. Percamos o medo, com atrevimento. Vamos embora!
      2. Excelente excelente. Vamos vamos amar as imperfeições. Se souberes como partilha!

      Vamos a isto, amor mais real.
      Obrigado pela partilha!

      1. PAF

        Com a responsabilidade da estatueta… Em relação ao ponto 2, andei a pensar como concretizar e há duas formas “dependentes uma da outra”.

        1. Amar o perdão: Perdoar, e compreender que a imperfeição não é absoluta. As vezes o tempo que precisamos para melhorar não é só nosso, mas de mais pessoas que me rodiam, de Deus. Devemos acreditar que numa próxima vez a imperfeição pode não voltar a acontecer, e se voltar a acontecer, voltamos a perdoar – porque são em si oportunidades de cada um se conhecer melhor >>> amar melhor.
        2. Ajudar o outro a melhorar as suas imperfeições, estar atento quando se evidenciam e nessas alturas procurar como ajudar o outro a não ficar refem delas e se preciso aguardar/dar tempo para que a outra pessoa ganhe consciência e ultrapasse essa imperfeição que pode ser meramente circunstancial.

        1. pokiwah

          obgd. mas a aceitação e a sublimação total de expectativas estão na base do teu ponto 2. é uma longa caminhada interior, onde se joga com o que resta do entendimento afectivo. e tmb do tempo q se tem para se dedicar ao sentimento de frustração perante a dualidade conhecer/amar e patente na imperfeição do outro. e principalmente na nossa propria imperfeição espelhada na do proximo

  6. Catarina Candeias

    João, mais uma vez gostei muito do que escreveste. É de uma lucidez e maturidade muito grande. E também verdade. Obrigada.

    Beijinhos

    1. That’s a nicely made answer to a challeinngg question

  7. André Moreira

    True story…a reforçar a ideia de um grande senhor chamada “meu pai” que diz que às vezes é preciso aprender a gostar…e realmente aprende-se e depois gosta-se.

  8. AVT

    Óptimo texto Valentim! E também, especificamente no caso de amigos/namorados, outro caso interessante e que causa muitos problemas: quando eu conquisto a outra pessoa tornando-me naquilo que eu acho que ela deve gostar num amigo/namorado. Não pelo que realmente sou mas por aquilo que eu penso que a outra pessoa gostava que eu fosse. Isto nos namoros então dá muitos problemas porque a actuação não vai aguentar para sempre e entao surgem as frases como “já não és a/o X que eu conheci”. Claro, tu não conheceste o/a X. Conheceste uma imagem idílica do que ele achava que querias que ele fosse.
    Acho que este tema dá só ele para uma parte II deste post! Fica a sugestão!
    Teixas

    1. Teixas,

      thanks so much! tens razão. Tantas vezes nem nos relacionamos com pessoas, mas com profiles de Facebook… ah ah!

  9. “É difícil odiar uma pessoa que conhecemos bem”.
    Uau :)

  10. Ana Líbano Monteiro

    Ok, sobejamente ouvido, poucas vezes meditado (com verdade), raras vezes aplicado.
    Obrigada pelo (re)desafio!

    1. Mónica Martins

      Que blog giro e verdadeiramente inesperado!
      Parabéns e obrigada :)

    2. Vamos aplicar então! e agora é que dói… :)

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